quinta-feira, 30 de abril de 2009


Te conheci ainda pequena. Admirava-o dentro das estantes da minha mãe e percebi desde então a sua importância. Todos os dias acompanhava aquele ritual após o jantar: um café, um cigarro e um livro.

Passei a observar a arte de suas capas, tocar, cheirar, folhear. Xereta e curiosa que sempre fui, logo te alterei, com desenhos e rabiscos que complementavam aquelas folhas, cheias de letras e significados.

Aprendi a ler e passei a viajar em tuas páginas. Minha leitura sempre foi intimista, despretenciosa. Do meio ao começo, o fim...vários livros ao mesmo tempo, nunca me ative muito às regras.

Resolvi cuidar daquelas estantes e veio o processo de ordenação: os mais lidos, os mais valorizados, os intocáveis, os emprestáveis, de tudo um pouco.

Decidi ser bibliotecária ciente de que o livro, para mim, ia além da leitura tradicional. Cor, forma, textura, tamanho, ilustrações: descobri o valor do uso ! Tê-los por perto me dá segurança, instiga minha imaginação, a criatividade e me traz a doce lembrança daquelas estantes, que continuam lá, a espera de novos olhares.

Um livro, uma arte: concluídos não pertencem mais ao autor. Lidos, apreendidos, reinterpretados, alterados...e aí reside a minha paixão !

O menino do dedo verde


O Menino do Dedo Verde (em francês: Tistou les pouces verts) é um livro infanto-juvenil escrito por Maurice Druon em 1957, sendo este o único livro fictício e de linguagem infantil que o autor escreveu. Tistu é um menino muito sortudo. Vive na cidade chamada Mirapólvora numa grande casa, a Casa-que-Brilha, com o Sr. Papai, Dona Mamãe e o seu querido pônei Ginástico.

Eles são ricos pois o Sr Papai tem uma fábrica de canhões. Para grande decepção de todos, Tistu dorme nas aulas. Sr Papai resolve fazer com que Tistu aprenda as coisas vendo-as e vivenciando-as. As aulas serão com o jardineiro Bigode e com o gerente da fábrica de canhões, o Sr Trovões.

Na primeira aula, o jardineiro bigode descobre um dom fantástico em Tistu: o menino tem o dedo verde! Isto significa que, onde ele colocar o dedo, nascerão flores! Porém as pessoas grandes não iriam entender este dom. Seria melhor mantê-lo em segredo. Bigode se transforma no conselheiro de Tistu

Com o Sr Trovões Tistu conhece um pouco do lado triste do mundo: a miséria, a prisão, o hospital. Ele resolve alegrar estes ambientes colocando seu dedo lá, mas no anonimato. Para o espanto da população, o presídio ficou com tantas flores que as portas não conseguiam mais fechar. Mas os presos não queriam fugir, pois estavam maravilhados!

As flores da favela absorveram o lamaçal e enfeitaram as casas, transformando a favela em atração turística. A menina do hospital, que antes contava os buraquinhos do teto para passar o tempo agora conta botões de rosas, que nascem em volta do seu leito. A cidade, e a vida das pessoas da cidade, mudaram completamente.

Tistu então conhece a fábrica do Sr Papai. Ele fica inconformado com o mal que os canhões e as guerras trazem. Secretamente, coloca o dedo nos canhões que estavam sendo enviados para uma guerra. Resultado: a guerra fracassa, pois ao invés de bombas, os canhões lançaram flores. A fábrica é arruinada.

Vendo o desespero do sr Papai, Tistu resolve revelar que foi ele quem colocou as flores nos canhões e prova isso fazendo nascer uma flor no quadro de seu avô, na parede. Sr Papai resolve então transformar a fábrica de canhões em fábrica de flores. A cidade passa a se chamar Miraflores.

Um dia Tistu recebe a notícia de que o jardineiro Bigode tinha ido viajar, que estava dormindo. Confuso com as informações, Tistu pergunta para seu pônei o que aconteceu com Bigode. Ele revela: Bigode morreu. E este é o único mal em que as flores não podem fazer nada.

- Se Bigode morreu, ele está no céu. Então, vou construir uma escada com minhas flores para ele descer! – conclui Tistu. Após construir a escala, era impossível ver onde ela estava terminando. Sumia no céu. Tistu esperou mas bigode não desce. Então ele resolve ir busca-lo. Seu pônei tenta impedi-lo sem sucesso.

Tistu sobe a escada, vê sua casa diminuindo, vê as nuvens, perde seus chinelinhos e escuta a voz do Bigode: - Ah, você está aqui! Naquela manhã os moradores da Casa-que-Brilha saíram a procura de Tistu e encontraram uma relva diferente, roída pelo pônei, com botões de rosas dourados, formado a frase: Tistu era um Anjo.

A arte de escrever de Arthur Schopenhauer


Apesar de não ser um título real de Arthur Schopenhauer, A arte de escrever é uma coletânea de escritos do filósofo alemão.

Foram retirados do livro Parerga und Paralipomena, de 1851, e organizados por Pedro Süssekind.

E em razão dessa errônea escolha de título pela editora porto-alegrense, o livro fica como que devendo a suposta arte de escrever.

Mas, em breves doses homeopáticas, o livro oferece todo o sarcasmo, limpidez e concisão do pensamento de Schopenhauer sobre leitura, escrita e linguagem. Ah sim, e também sobre o amor.

Para começar

Schopenhauer é o estereótipo do alemão grosso. Fico imaginando ele falando pessoalmente o que ele pensa e escreve. Devia ser um episódio cômico. E objetiva e subjetivamente incomodativo para os que o escutavam.

Em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução. Sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo […], sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. Não ocorre a eles que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma.

Às vezes, em alguns trechos do livro, pode-se ter a impressão de se estar lendo apenas clichês batidos em qualquer aula de comunicação, letras, lingüística. Mas, para alguém que escreve no século retrasado, em pleno surgimento da literatura de massa, as críticas ferozes e diretas, especialmente dirigidas aos deuses das academias de letras alemãs, são totalmente bem localizadas temporalmente.

é para o café; além disso, em geral não se pode confiar que estejam corretas.
Tenham mais honra no corpo e menos dinheiro nos bolsos e deixem os ignorantes sentirem sua inferioridade, em vez de fazer cortesias às suas carteiras.

Todo autor se torna um escritor ruim assim que escreve qualquer coisa em função do lucro. As melhores obras dos grandes homens são todas provenientes da época em que eles tinham de escrever ou sem ganhar nada, ou por honorários muito reduzidos.

Os escritores que não sabem latim não passarão, em pouco tempo, de fanfarrões aprendizes de barbeiros.

Para os autores gregos e latinos, as traduções alemãs são um substituto tão bom quanto a chicória

Sobre a leitura

Não há muito o que comentar. Deixo que ele mesmo o diga (mesmo, talvez, com um gosto de chicória na boca):

O excesso de leitura tira do espírito toda a elasticidade, da mesma maneira que uma pressão contínua tira a elasticidade de uma mola. O meio mais seguro para não possuir nenhum pensamento próprio é pegar um livro nas mãos a cada minuto livre.

Por isso é tão importante, em relação ao nosso hábito de leitura, a arte de não ler. Ela consiste na atitude de não escolher para ler o que, a cada momento determinado, constitui a ocupação do grande público. […] Basta nos lembrarmos de que, em geral, quem escreve para os tolos encontra sempre um grande público.

Para ler o que é bom uma condição é não ler o que é ruim, pois a vida é curta, o tempo e a energia são limitados.

Sobre a escrita

A suposta arte de ler, que Süssekind encontrou escrita nas entrelinhas dos originais dea ser sucinto, objetivo e econômico nas palavras. Então, páro por aqui, como um verdadeiro artista. Schopenhauer, se resumem

Usar muitas palavras para comunicar poucos pensamentos é sempre o sinal inconfundível da mediocridade; em contrapartida, o sinal de uma cabeça eminente é resumir muitos pensamentos em poucas palavras.

A lei da simplicidade e da ingenuidade, já que essas qualidades combinam com o que há de mais sublime, vale para todas as belas artes.

A autêntica concisão da expressão consiste em dizer apenas, em todos os casos, o que é digno de ser dito, com a justa distinção entre o que é necessário e o que é supérfluo, evitando todas as explicações prolixas sobre coisas que qualquer um pode pensar por si mesmo.

De Marcos Bagno a Arthur Schopenhauer: uma distância de apenas algumas cotas

Muito se tem falado da discriminação racial, que passa pelas oportunidades de emprego e formação, pelos atos do dia-a-dia e até pela linguagem.

Schopenhauer tem uma declaração incômoda, mas bastante lógica, a respeito da linguagem discriminatória e dessas bobagens que às vezes são afirmadas, em nome do politicamente correto. Nesse sentido, até mesmo Marcos Bagno, autor de Preconceito Lingüístico, pode-se sentir recompensado nas palavras do autor alemão.

Não foi a palavra que levou à desvalorização da coisa, mas o contrário.

Arthur Shinyashiki

Em alguns pontos do livro, de tão livremente escrito, sem nenhum peso na consciência schopenhauriana, o autor descamba para uma auto-ajuda bem característica destes tempos hodiernos.

Tudo com a ironia bem-humorada característica do autor. Mas até que faz sentido.

A verdadeira excelência só pode ser alcançada, em obras de todos os gêneros, quando elas forem produzidas em função de si mesmas e não como meios para fins ulteriores.

Quando, em certa ocasião, temos de tomar uma decisão, não podemos nos sentar por quanto tempo quisermos, refletir sobre os motivos e só então decidir, pois com freqüência a nossa capacidade de reflexão não consegue se fixar no assunto justamente nesse momento, mas escapa para outras coisas. E muitas vezes a culpa é da nossa contrariedade na ocasião. Nesses casos, não devemos forçar nada, apenas aguardar que a disposição propícia também se apresente por si mesma. Isso acontecerá e se repetirá, muitas vezes, de modo imprevisível, e cada disposição diferente, em uma ocasião diferente, lança uma outras luz sobre o assunto. Esse avanço lento é o que se compreende pela expressão amadurecer as resoluções.

Quem não tem fel não tem entendimento, pois ele gera uma certa acrimônia que, tanto na vida quanto na arte e na literatura, suscita necessariamente e a cada dia a censura e o escárnio íntimos a respeito de milhares de coisas, impedindo-nos justamente de imitá-las.

Moisés Schopenhauer

Repito: vocês nunca perdem tempo em ficar lendo o Mosaico.

Muito pêlo contrário: lendo-o, vocês são embebidos em pura ceramida, adquirindo fortíssimas raízes capilares.

Schopenhauer que o diga:

A peruca é o símbolo mais apropriado para o erudito puro. Trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem de cabelos próprios.

Quem não entender clicará.

Ah, o amor… ou Amar é…

Mais um autor (além daquele grego) que deixa transbordar todo o amor do seu coração em palavras derretidas pelo fogo da paixão em um pedaço de papel.

A presença de um pensamento é como a presença de quem se ama. Achamos que nunca esqueceremos esse pensamento e que nunca seremos indiferentes à nossa amada Só que longe dos olhos, longe do coração! O mais belo pensamento corre o perigo de ser irremediavelmente esquecido quando não é escrito, assim como a amada pode nos abandonar se não nos casamos com ela.

No fim das contas, a arte de escrever é o que menos importa em tudo isso. Afinal, só escreve quem ama – pois o pensamento é o amor. E essa arte, ah!, só quem ama compreende…

E tenha Schopenhauer dito.

Sobre a arte de escrever...


Sobre a arte de escrever diziam os leigos...

Graciliano Ramos

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.

Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.

Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."

Millôr Fernandes

"...Escrever é produzir e emitir idéias por meio de um assunto concreto (mensagem) usando canais de comunicação que facilitam o entendimento do receptor..."

Mário Quintana

"...Escrever livremente é experimentar um monte de docuras que agente em silêncio transforma em palavras..."

George Barnard Shaw

"...Os espelhos são usados para ver o rosto; a arte de escrever para descrever a alma..."
E por aí vai os milhares de conceitos sobre a Arte de Escrever...
Mas para mim, escrever vai muito além da simples folha de papel e do lápis...

Escrever é descrever sentimentos, opiniões, emoções...
É deixar escapar aquilo que algumas vezes escondemos de nós mesmo.
Escrever é em si o ato de desafabar, de revelar ao mundo o oculto e o escodido do nosso coração, sendo ele bom ou ruim, claro ou obscuro...

Escrever é dizer; Estou vivo...
Escrever é dizer; Eu sonho...
Escrever é dizer; Faço parte de um todo...
Escrever é simplesmente dizer; Eu existo e ponto!

Livro...Papel...Palavra...


O que faz uma pessoa comprar um livro nos dias de hoje, em que as bibliotecas online com permissão para downloads proliferam e a pessoa pode descarregar os livros que quiser livre e gratuitamente?

A resposta reside na experiência da surpresa que nos traz um lugar, e que difere bastante do tipo de surpresa que nos faz experienciar a internet. Os dois ambientes têm o seu lugar, mas não se substituem, embora o lugar se tenha que adaptar à existência da rede e procurar diferenciar-se.

A rede funciona por janelas que se sobrepõem exigindo do usuário um GPS cerebral que lhe permita partir à descoberta sem se perder do seu objectivo inicial (de outra forma, conduz à navegação caótica e inconsequente). Por seu lado, o Lugar funciona com janelas que, em vez de se sobreporem, se encadeiam temporalmente – a segunda só se abre quando a primeira se fecha, e assim sucessivamente.

A isto se acrescenta o factor humano e, já sabemos, onde houver um ou mais Homens nunca se poderá controlar totalmente um caminho. Por isso, no lugar é inútil o GPS, porque o caminho nunca será a estrada, mas sim o atalho que os passos do homem rasgaram na relva.

Uma metáfora para dizer que o objeto em papel que tanto se discute agora como obsoleto nunca o será, já que passará a valer não só pela história que leva dentro, mas sobretudo pela história da experiência de o ver, deixar-se seduzir e escolher ou ainda… encontrar o autor por acaso e conversar ou levar para casa uma dedicatória. A Internet jamais substituirá a magia do imprevisto que surge de uma pessoa na presença de outra.

Hoje, comprei um livro…

Texto disponível em: www.breadandroses.wordpress.com

Qual o futuro dos livros?


E o que seria mais conveniente:gastar o espaço já diminuto da sua casa para guardar um imensa coleção de livros,ou tê-los todos idênticos, mas guardados em um pen “drive” ou salvo no “disco rígido” do seu computador, gastando apenas alguns “MB”?


Numa sociedade tão material como a que vivemos, muitas pessoas só pensam em comprar, comprar e comprar, sem se importar com seu interior.Muitas delas nunca leram um livro, salvo pelas leituras obrigatórias do vestibular e livros extra-classe.Mas isso não significa que todo mundo é assim.Há muitas pessoas que descobriram o prazer da leitura, há muitos colecionadores de ótimos livros.Todavia,essas coleções um dia podem ter um drástico fim.

Hoje em dia, a preservação do meio ambiente virou moda. Todos falam apenas nisso. E como muitos defendem a não derrubada das árvores,como seriam feitos os livros,que provém das mesmas? Uma solução seria a produção de livros com papel reciclado, mas ainda existem outros fatores que podem acarretar no fim dos livros:o avanço da tecnologia.

Qualquer um que tenha acesso à internet pode adquirir os livros exatamente como se encontram nas livrarias, sem precisar comprá-los. Essa comodidade pode ir acabando com os livros lentamente, associado também ao preço dos livros.
Os mais “famosos”, ou os mais “na moda” custam uma quantia que nem todos podem pagar. E sabemos que o salário mínimo do brasileiro não é lá essas coisas.

E o que dizer das casas? Crianças nascem a cada minuto (ou a cada segundo, talvez), e o planeta não aumenta de tamanho. Pessoas morrem, mas em menor proporção. Isso resulta na diminuição das casas, para que hajam domicílios suficientes para a população. E o que seria mais conveniente:gastar o espaço já diminuto da sua casa para guardar um imensa coleção de livros, ou tê-los todos idênticos, mas guardados em um pen “drive” ou salvo no “disco rígidoo" do seu computador, gastando apenas alguns “MB”?
Muitas pessoas já optam pela segunda alternativa, que é extremamente mais prática. Mas, não obstante a tudo isso, creio eu que o espírito de colecionador prevalecerá em muitos, que não serão “enfeitiçados” pela tecnologia.

Ainda existem muitas pessoas como eu, que preferem ter o livro em mãos, do que na tela de um computador. Certamente essas pessoas darão um jeitinho de guardar seus preciosos tesouros. E que depois de um certo tempo, virarão relíquias, caso chegue os tempos em que os livros acabarão. E você, colecionador, mostrará para os seus netos, dizendo: ”Isto é um livro de verdade!”.

Texto na íntegra disponível no site: www.jornalsanitario.wordpress.com

Um pouco sobre a história do livro...


"Há um certo mito em relação à quase inexistência de livros na Idade Média que não corresponde inteiramente à verdade. É certo que apenas uma elite sabia (ou estava interessada em saber) ler mas o sucesso obtido pela tipografia demonstra que essa elite também não era assim tão pequena.

Desde o séc. XII que o desenvolvimento das universidades no Al-Andaluz (o sul de Espanha, então ainda árabe), na Itália, França, na Inglaterra e em Portugal, a par da ascensão de uma classe plebeia abastada (a burguesia) tinha permitido que a cultura erudita saísse dos conventos e mosteiros e fosse acessível (desde que houvesse dinheiro e vontade para isso) a pessoas de diferentes proveniências.

Sendo a instrução um dos poucos meios de ascensão social, eram mais os burgueses interessados em obtê-la do que os nobres que, na maior parte dos casos, não sabia nem queria saber ler.
Os livros manuscritos (códices) tiveram nessa altura grande expansão e foram adoptados métodos de produção em série de manuscritos através da organização dos chamados «scnobrrinobrptoria» onde dezenas de copistas copiavam incansavelmente os livros e manuais dos estudantes.

Na maior parte dos casos o sistema estava tão bem montado que cada copista não copiava um livro inteiro mas apenas um caderno, sendo a junção dos cadernos feita posteriormente pelo encadernador.


Não se sabe ao certo o volume de códices em circulação na Europa por altura da invenção da tipografia mas a resistência e esta nova tecnologia por parte da classe dos copistas faz pensar que empregava muita gente. Também é curioso notar que a própria Igreja teve alguma resistência ao uso da tipografia pois tinha os seus próprios «scnobrrinobrptoria» tendo continuado a produzir livros litúrgicos manuscritos até ao séc. XIX.

No séc. XV a classe burguesa está bem consolidada, principalmente devido à prosperidade dos estados italianos que, durante toda a Idade Média, tinham assegurado o comércio com o Oriente através do Mediterrâneo (só o perderiam para os Portugueses depois da descoberta do caminho marítimo para a Índia).

Pelo contrário, a nobreza e a Igreja sofrem um forte abalo para o qual contribuem factores concomitantes como a degeneração moral do clero, a forte promiscuidade entre Igreja e poder político, a relativa pacificação da Europa ocidental com o fim da Guerra dos Cem anos, a decadência do sistema feudal e a sua substituição por monarquias centralizadas (de que «O Príncipe» de Maquiavel é o paradigma).


Também no séc. XV se dá a queda do Império Bizantino e a migração de intelectuais para Ocidente (designadamente para a Itália) intelectuais esses que mantinham ainda um conhecimento bastante aproximado da cultura greco-latina e que iriam promover na península italiana o florescimento literário e artístico do «quattrocento» que ficou conhecido por Renascimento.
É ainda no início do séc. XV que Portugal inicia a expansão marítima.

A cada navio que regressava, chegavam conhecimentos de novas terras, novas gentes e novas técnicas. A expansão portuguesa deixaria ainda uma forte herança na proliferação da literatura de viagens do séc. XVI.
Tudo isto pode parecer irrelevante para a questão da tipografia mas é da máxima importância.

O forte desenvolvimento cultural que se adivinha a partir do séc. XII e prossegue em crescendo contínuo até ao séc. XV levara já a várias tentativas de produção mecânica de livros. Antes da tipografia já se imprimia pela técnica da xilografia (do grego xilo = madeira) mas esta técnica, que permitia a reprodução de grande quantidade de livros, era muito demorada na fase de elaboração das placas de impressão que tinham de ser integralmente esculpidas em madeira (hoje diríamos que o tempo perdido com o input não compensava os resultados do output…).


A tipografia, na verdade, é apenas o mais bem sucedido de todos os métodos experimentados. Ao empregar caracteres móveis (os tipos) esta técnica permitia a combinação infinita e a elaboração ilimitada de textos o que agilizou de forma incomparável de impressão.
Mas não podemos ignorar que, se esta técnica teve impacto foi porque já existia uma procura ávida de livros.

A tipografia, em si mesma, não fez a revolução; a revolução estava já em marcha mas faltava-lhe a arma de construção maciça que permitisse aquilo que, 500 anos depois, Ranganathan exprimiria tão bem: A cada livro o seu leitor, a cada leitor o seu livro".

Por: Maria Clara Assunção Bibliotecária do Centro de Estudos Musicológicos.
Biblioteca Nacional, Lisboa.