quinta-feira, 30 de abril de 2009

Um pouco sobre a história do livro...


"Há um certo mito em relação à quase inexistência de livros na Idade Média que não corresponde inteiramente à verdade. É certo que apenas uma elite sabia (ou estava interessada em saber) ler mas o sucesso obtido pela tipografia demonstra que essa elite também não era assim tão pequena.

Desde o séc. XII que o desenvolvimento das universidades no Al-Andaluz (o sul de Espanha, então ainda árabe), na Itália, França, na Inglaterra e em Portugal, a par da ascensão de uma classe plebeia abastada (a burguesia) tinha permitido que a cultura erudita saísse dos conventos e mosteiros e fosse acessível (desde que houvesse dinheiro e vontade para isso) a pessoas de diferentes proveniências.

Sendo a instrução um dos poucos meios de ascensão social, eram mais os burgueses interessados em obtê-la do que os nobres que, na maior parte dos casos, não sabia nem queria saber ler.
Os livros manuscritos (códices) tiveram nessa altura grande expansão e foram adoptados métodos de produção em série de manuscritos através da organização dos chamados «scnobrrinobrptoria» onde dezenas de copistas copiavam incansavelmente os livros e manuais dos estudantes.

Na maior parte dos casos o sistema estava tão bem montado que cada copista não copiava um livro inteiro mas apenas um caderno, sendo a junção dos cadernos feita posteriormente pelo encadernador.


Não se sabe ao certo o volume de códices em circulação na Europa por altura da invenção da tipografia mas a resistência e esta nova tecnologia por parte da classe dos copistas faz pensar que empregava muita gente. Também é curioso notar que a própria Igreja teve alguma resistência ao uso da tipografia pois tinha os seus próprios «scnobrrinobrptoria» tendo continuado a produzir livros litúrgicos manuscritos até ao séc. XIX.

No séc. XV a classe burguesa está bem consolidada, principalmente devido à prosperidade dos estados italianos que, durante toda a Idade Média, tinham assegurado o comércio com o Oriente através do Mediterrâneo (só o perderiam para os Portugueses depois da descoberta do caminho marítimo para a Índia).

Pelo contrário, a nobreza e a Igreja sofrem um forte abalo para o qual contribuem factores concomitantes como a degeneração moral do clero, a forte promiscuidade entre Igreja e poder político, a relativa pacificação da Europa ocidental com o fim da Guerra dos Cem anos, a decadência do sistema feudal e a sua substituição por monarquias centralizadas (de que «O Príncipe» de Maquiavel é o paradigma).


Também no séc. XV se dá a queda do Império Bizantino e a migração de intelectuais para Ocidente (designadamente para a Itália) intelectuais esses que mantinham ainda um conhecimento bastante aproximado da cultura greco-latina e que iriam promover na península italiana o florescimento literário e artístico do «quattrocento» que ficou conhecido por Renascimento.
É ainda no início do séc. XV que Portugal inicia a expansão marítima.

A cada navio que regressava, chegavam conhecimentos de novas terras, novas gentes e novas técnicas. A expansão portuguesa deixaria ainda uma forte herança na proliferação da literatura de viagens do séc. XVI.
Tudo isto pode parecer irrelevante para a questão da tipografia mas é da máxima importância.

O forte desenvolvimento cultural que se adivinha a partir do séc. XII e prossegue em crescendo contínuo até ao séc. XV levara já a várias tentativas de produção mecânica de livros. Antes da tipografia já se imprimia pela técnica da xilografia (do grego xilo = madeira) mas esta técnica, que permitia a reprodução de grande quantidade de livros, era muito demorada na fase de elaboração das placas de impressão que tinham de ser integralmente esculpidas em madeira (hoje diríamos que o tempo perdido com o input não compensava os resultados do output…).


A tipografia, na verdade, é apenas o mais bem sucedido de todos os métodos experimentados. Ao empregar caracteres móveis (os tipos) esta técnica permitia a combinação infinita e a elaboração ilimitada de textos o que agilizou de forma incomparável de impressão.
Mas não podemos ignorar que, se esta técnica teve impacto foi porque já existia uma procura ávida de livros.

A tipografia, em si mesma, não fez a revolução; a revolução estava já em marcha mas faltava-lhe a arma de construção maciça que permitisse aquilo que, 500 anos depois, Ranganathan exprimiria tão bem: A cada livro o seu leitor, a cada leitor o seu livro".

Por: Maria Clara Assunção Bibliotecária do Centro de Estudos Musicológicos.
Biblioteca Nacional, Lisboa.

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